terça-feira, 31 de março de 2015

Texto da semana com o professor Valdemir França


Caros alunos e demais leitores desta página,
Iniciaremos a partir deste resumo, uma sequência de publicações que visam mostrar, dentro do processo histórico, as condições sociais em que proliferaram as maiores epidemias que assolaram/assolam a humanidade.
Nosso intuito é ampliar a visão das pessoas acerca da temática disseminando inclusive, alguns conhecimentos preventivos que eventualmente, não são exclusivos dos profissionais de saúde.
Agradecemos, desde já, a sua visita!
O contexto social como potencializador de epidemias: A Peste Negra
[1]SOUZA, V. F.

A peste negra foi a primeira grande epidemia até hoje relatada em nossa história. Estima-se que só entre 1347 e 1351 houveram 200 milhões de mortes em todo o continente, ou seja, metade da população europeia veio a óbito em função deste mal. Os cemitérios já não possuíam espaço para sepultar tantos corpos - vários cadáveres foram enterrados uns sob os outros - fazendo com que inclusive, pilhas de corpos se formassem nos acessos entre às vilas. A solução encontrada muitas vezes, foi a queima em valas comuns ou a desova em rios.    
Não se pôde, até agora, identificar com precisão a origem da bactéria causadora da epidemia. Sabe-se, no entanto, que ela iniciou sua viagem em direção a Europa a partir da China ou Ásia Central, pela rota da seda seguindo nos porões das embarcações comerciais que abasteciam os entrepostos no Mediterrâneo.Yersinia pestis - nome científico da bactéria - ficava hospedada  nos intestinos das pulgas que infestavam os ratos e foram eles os responsáveis pela rápida disseminação da doença.
Chegando na Europa de "carona" nos ratos, a bactéria se espalhou rapidamente e adentrou nas casas das pessoas com grande facilidade. Para entendermos como isso ocorreu, basta analisarmos as condições de salubridade da época:
Os camponeses viviam em cabanas cobertas de palha, com piso de terra batida e a área interna escura, úmida e enfumaçada. Em geral as cabanas tinham apenas um cômodo, que servia para dormir e guardar alimentos e até animais. Os móveis, bastante rústicos, resumiam-se à mesa e bancos de madeira e os colchões de palha[2].

Fica claro portanto, que as condições de vida eram totalmente favoráveis a proliferação dos roedores que em suas pulgas, carregavam a mortal bactéria da peste. Deve-se considerar além disso, o fato de que as ruas forneciam condições ainda melhores para a multiplicação deste tipo de animal uma vez que eram enlameadas, repletas de vielas e com grande acúmulo de lixo de toda natureza. O odor de fezes era sentido por toda parte e nas regiões de maior concentração demográfica, vilas próximas aos portos, todos se "apertavam" em ruas e becos estreitíssimos:
Nas cidades, aglomeravam-se e conviviam todos os tipos de pessoas e profissões: ricos, comerciantes, taberneiros, artesãos, padeiros, relojoeiros, joalheiros, mendigos, pregadores, vendedores ambulantes, menestréis, etc. E na periferia das cidades, bastante discriminados pela maioria da população, viviam outros grupos: judeus, muçulmanos, hereges, leprosos, homossexuais e prostitutas, que estiveram entre os quais perseguidos e reprimidos pela Inquisição, a partir do século XII[3].

Isso nos ajuda a entender também como a doença transitou entre as diversas classes sociais penetrando inclusive, nos castelos e igrejas/conventos da época.

Com tantos hospedeiros as pulgas obviamente, se multiplicaram e o contágio ficava cada vez mais fácil.  Uma única picada era mais que suficiente para injetar a bactéria na corrente sanguínea das pessoas que em poucos dias desenvolvia os sintomas: Febre alta, calafrios, dor de cabeça intensa, dores generalizadas, falta de apetite, náuseas, vômitos, confusão mental, olhos avermelhados, pulso rápido e irregular, pressão arterial baixa, prostração e mal-estar geral. Passados alguns dias, surgiam tumores principalmente na virilha e pescoço provocando hemorragias e intensa dor o que provocava uma morte lenta e sofrida. Esses tumores que também eram chamados de bulbo, ficavam escuros com o agravamento das infecções e, por isso, surgiram os termos peste bubônica (bulbo) e peste negra. 
A situação ficava ainda mais grave quando o inverno obrigava as pessoas a ficarem mais tempo nas suas moradias. As condições de higiene ficavam ainda piores tendo em vista que o frio desencorajava as pessoas a prática do asseio fazendo uso de água apenas para beber. Os ratos, por sua vez, migravam mais intensamente para o interior das casas em busca de comida e abrigo que muitas vezes, era encontrado nos dormitórios de palha. A partir daí, as pulgas se infestavam por toda a parte: Casacos feitos com peles de animais, cobertores, paredes, nos animais domésticos e nas próprias camas de palha. Além disso, esse minúsculo animal é resistente a ambientes desfavoráveis a sua proliferação e pode ficar sem alimentação por muito tempo. Tais condições aumentava significativamente o número de casos.
Acometido pelos sintomas e sem possuir nenhum atendimento ou esclarecimento acerca da doença e suas causas, restava as pessoas pouquíssimas opções de tratamento, sempre ineficazes, que se resumiam a compressas com panos quentes, para controlar a febre, chás para as dores no corpo e outra "terapia" muito usada na época: a oração.
Quando os efeitos da doença começaram a amedrontar a população e os primeiros tratamentos se mostraram inúteis a única alternativa que restara foi a fé. A Igreja, por sua vez, defendia a tese de que a epidemia era um grande castigo de Deus para com os pecadores e muitos inclusive, chegaram a falar no fim do mundo. Assim, as orientações eram sempre voltadas para o arrependimento, resignação e aceitação da vontade de Deus. No entanto, nós sabemos que foi o contexto social o grande "culpado" pela proliferação da doença que só começou a diminuir, depois da progressiva modernização urbanística que o continente sofreu durante a Idade Moderna.
  A bactéria que causou a Peste Negra medieval ressurgiu, provavelmente, alguns séculos depois causando nova epidemia, em meados do século XIX na China. Cerca de 12 milhões de pessoas faleceram pela doença só na China e Índia, mas desta vez, não chegou à Europa. Contudo, vale salientar que esse ressurgimento pode ocorrer novamente até porque várias regiões do mundo ainda reproduzem os modelos de sociedade que favoreceram o surgimento da grande epidemia. Ou seja, se não aprendermos as lições do passado, podemos estar "cultivando" no Brasil/mundo as mesmas condições que fez a peste ganhar força na Europa medieval.
Referências
ALMEIDA, Alzira Maria Paiva de et al. Pesquisa de Yersinia pestis em roedores e outros pequenos mamíferos nos focos pestosos do Nordeste do Brasil no período 1966 a 1982. Rev. Saúde Pública, Jun 1987, vol.21, no.3, p.265-267. ISSN 0034-8910 -http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/.  
PEDRERO-SÁNCHES, Maria Guadalupe. História da Idade Média: Textos e Testemunhas. São Paulo: UNESP, 2000.
OLIVEIRA, Waldir Freitas. A Caminho da Idade Média. São Paulo: Brasiliense, 1987.
http://www.forumdahistoria.com.br
http://www.sohistoria.com.br




[1] Professor Me. Valdemir de França Souza - Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0575808525650859
[2] Em: < http://www.sohistoria.com.br/ef2/medieval/p5.php > Acesso em: 13 de março de 2015. 
[3] Em: < http://www.forumdahistoria.com.br/idade_media > Acesso em: 12 de março de 2015.

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