Caros
alunos e demais leitores desta página,
Iniciaremos
a partir deste resumo, uma sequência de publicações que visam mostrar, dentro
do processo histórico, as condições sociais em que proliferaram as maiores
epidemias que assolaram/assolam a humanidade.
Nosso
intuito é ampliar a visão das pessoas acerca da temática disseminando
inclusive, alguns conhecimentos preventivos que eventualmente, não são
exclusivos dos profissionais de saúde.
Agradecemos,
desde já, a sua visita!
O
contexto social como potencializador de epidemias: A Peste Negra
[1]SOUZA, V.
F.
A
peste negra foi a primeira grande epidemia até hoje relatada em nossa história.
Estima-se que só entre 1347 e 1351 houveram 200 milhões de mortes em todo o
continente, ou seja, metade da população europeia veio a óbito em função deste
mal. Os cemitérios já não possuíam espaço para sepultar tantos corpos - vários
cadáveres foram enterrados uns sob os outros - fazendo com que inclusive,
pilhas de corpos se formassem nos acessos entre às vilas. A solução encontrada
muitas vezes, foi a queima em valas comuns ou a desova em rios.
Não se pôde, até agora,
identificar com precisão a origem da bactéria causadora da epidemia. Sabe-se,
no entanto, que ela iniciou sua viagem em direção a Europa a partir da China ou
Ásia Central, pela rota da seda seguindo nos porões das embarcações comerciais
que abasteciam os entrepostos no Mediterrâneo.Yersinia
pestis - nome científico da bactéria - ficava hospedada nos intestinos das pulgas que infestavam os
ratos e foram eles os responsáveis pela rápida disseminação da doença.
Chegando na Europa de
"carona" nos ratos, a bactéria se espalhou rapidamente e adentrou nas
casas das pessoas com grande facilidade. Para entendermos como isso ocorreu,
basta analisarmos as condições de salubridade da época:
Os camponeses viviam em cabanas
cobertas de palha, com piso de terra batida e a área interna escura, úmida e
enfumaçada. Em geral as cabanas tinham apenas um cômodo, que servia para dormir
e guardar alimentos e até animais. Os móveis, bastante rústicos, resumiam-se à
mesa e bancos de madeira e os colchões de palha[2].
Fica
claro portanto, que as condições de vida eram totalmente favoráveis a
proliferação dos roedores que em suas pulgas, carregavam a mortal bactéria da
peste. Deve-se considerar além disso, o fato de que as ruas forneciam condições
ainda melhores para a multiplicação deste tipo de animal uma vez que eram
enlameadas, repletas de vielas e com grande acúmulo de lixo de toda natureza. O
odor de fezes era sentido por toda parte e nas regiões de maior concentração
demográfica, vilas próximas aos portos, todos se "apertavam" em ruas
e becos estreitíssimos:
Nas
cidades, aglomeravam-se e conviviam todos os tipos de pessoas e profissões:
ricos, comerciantes, taberneiros, artesãos, padeiros, relojoeiros, joalheiros,
mendigos, pregadores, vendedores ambulantes, menestréis, etc. E na periferia
das cidades, bastante discriminados pela maioria da população, viviam outros
grupos: judeus, muçulmanos, hereges, leprosos, homossexuais e prostitutas, que
estiveram entre os quais perseguidos e reprimidos pela Inquisição, a partir do
século XII[3].
Isso nos ajuda a entender também como a doença transitou
entre as diversas classes sociais penetrando inclusive, nos castelos e
igrejas/conventos da época.
Com tantos hospedeiros as pulgas obviamente, se
multiplicaram e o contágio ficava cada vez mais fácil. Uma única picada era mais que suficiente para
injetar a bactéria na corrente sanguínea das pessoas que em poucos dias
desenvolvia os sintomas: Febre alta, calafrios, dor de cabeça intensa, dores
generalizadas, falta de apetite, náuseas, vômitos, confusão mental, olhos
avermelhados, pulso rápido e irregular, pressão arterial baixa, prostração e
mal-estar geral. Passados alguns dias, surgiam tumores principalmente na
virilha e pescoço provocando hemorragias e intensa dor o que provocava uma
morte lenta e sofrida. Esses tumores que também eram chamados de bulbo, ficavam
escuros com o agravamento das infecções e, por isso, surgiram os termos peste
bubônica (bulbo) e peste negra.
A situação ficava ainda mais grave quando o inverno
obrigava as pessoas a ficarem mais tempo nas suas moradias. As condições de
higiene ficavam ainda piores tendo em vista que o frio desencorajava as pessoas
a prática do asseio fazendo uso de água apenas para beber. Os ratos, por sua
vez, migravam mais intensamente para o interior das casas em busca de comida e
abrigo que muitas vezes, era encontrado nos dormitórios de palha. A partir daí,
as pulgas se infestavam por toda a parte: Casacos feitos com peles de animais,
cobertores, paredes, nos animais domésticos e nas próprias camas de palha. Além
disso, esse minúsculo animal é resistente a ambientes desfavoráveis a sua
proliferação e pode ficar sem alimentação por muito tempo. Tais condições
aumentava significativamente o número de casos.
Acometido pelos sintomas e sem possuir nenhum atendimento
ou esclarecimento acerca da doença e suas causas, restava as pessoas
pouquíssimas opções de tratamento, sempre ineficazes, que se resumiam a
compressas com panos quentes, para controlar a febre, chás para as dores no
corpo e outra "terapia" muito usada na época: a oração.
Quando os efeitos da doença começaram a amedrontar a
população e os primeiros tratamentos se mostraram inúteis a única alternativa
que restara foi a fé. A Igreja, por sua vez, defendia a tese de que a epidemia
era um grande castigo de Deus para com os pecadores e muitos inclusive,
chegaram a falar no fim do mundo. Assim, as orientações eram sempre voltadas para
o arrependimento, resignação e aceitação da vontade de Deus. No entanto, nós sabemos
que foi o contexto social o grande "culpado" pela proliferação da
doença que só começou a diminuir, depois da progressiva modernização
urbanística que o continente sofreu durante a Idade Moderna.
A bactéria que causou a Peste Negra medieval ressurgiu,
provavelmente, alguns séculos depois causando nova epidemia, em meados do
século XIX na China. Cerca de 12 milhões de pessoas faleceram pela doença só na
China e Índia, mas desta vez, não chegou à Europa. Contudo, vale salientar que
esse ressurgimento pode ocorrer novamente até porque várias regiões do mundo
ainda reproduzem os modelos de sociedade que favoreceram o surgimento da grande
epidemia. Ou seja, se não aprendermos as lições do passado, podemos estar
"cultivando" no Brasil/mundo as mesmas condições que fez a peste
ganhar força na Europa medieval.
Referências
ALMEIDA, Alzira Maria Paiva de et al. Pesquisa de Yersinia pestis
em roedores e outros pequenos mamíferos nos focos pestosos do Nordeste do
Brasil no período 1966 a 1982. Rev. Saúde Pública, Jun 1987, vol.21, no.3,
p.265-267. ISSN 0034-8910
-http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/.
PEDRERO-SÁNCHES, Maria
Guadalupe. História da Idade Média: Textos e Testemunhas. São Paulo: UNESP,
2000.
OLIVEIRA, Waldir
Freitas. A Caminho da Idade Média. São Paulo: Brasiliense, 1987.
http://www.forumdahistoria.com.br
http://www.sohistoria.com.br